Capital baiana acolhe turistas com opções como o Museu de Arte Moderna e a Cidade da Música

Silas Martí (Folhapress)

"Quando faltam alguns minutos para o pôr do sol, o mar se tinge de prata e mercúrio na baía de Todos os Santos. É um brilho metálico que espelha as nuvens no céu antes que tudo mude de cor e a ilha de Itaparica vira o marco zero no horizonte, onde a luz vai se apagar depois de uma onda de raios amarelos, alaranjados e vermelhos.

O Atlântico infinito se desenrola ali depois das marinas coalhadas de barquinhos, e a brisa suave, que refresca o calor de inverno, arremata o espetáculo –sim, estamos de férias, melhor ainda com uma boa caipirinha nas mãos.

Salvador, a quarta maior cidade do país, não é o paraíso tropical que a Bahia ostenta ao longo de sua costa, da Trancoso dos endinheirados à ilha de Boipeba dos descolados mais aventureiros.

É uma metrópole cheia de história, rica de outros jeitos, que aos poucos acorda na ressaca da pandemia que ainda mata e assusta, mas que vai arrefecendo com o avanço das vacinas.
Nos últimos meses, a capital baiana tem despertado da letargia pandêmica primeiro pelos agentes da cultura ali.

O Museu de Arte Moderna da Bahia, instalado no velho Solar do Unhão que Lina Bo Bardi fez de plataforma de base da construção de seu modernismo tropical, de raízes brasileiras, voltou a abrir as portas sob nova direção, mais ambiciosa e atenta à história.

Quem for dar uma olhada na mostra que inaugura essa nova fase, dedicada à coleção de arte construída por Bo Bardi ao lado de artistas baianos, não pode deixar de almoçar no simpático Solar Boteco, subindo a ladeira de onde a vista para o mar –e a moqueca de camarão– são um escândalo.

O novo museu Cidade da Música, instalado na Casa dos Azulejos Azuis, também engrossa o circuito cultural agora com um apanhado de tudo que essa arte representa no estado onde nasceram Caetano, Bethânia, Gal e Gil. O novo espaço, no entanto, vai bem além dos tropicalistas, partindo dos versos de Gregório de Matos e indo até rappers da cena atual, como Vandal, passando por Dodô e Osmar.

É fato que, enquanto algumas instituições parecem despontar, outras definham. A Casa do Benin, outro endereço de Lina Bo Bardi em pleno Pelourinho, tem só um andar em funcionamento, uma instalação tímida de acervo.

O Coati, bar e restaurante também desenhado pela arquiteta do Masp, está abandonado há anos, algo inexplicável dado o volume de entusiastas do brutalismo, estilo que vira e mexe entra em voga no mundo, que poderia arrastar até Salvador, ainda mais com bons drinques no cardápio e à luz do Leão de Ouro que a arquiteta acaba de ganhar pelo conjunto de sua obra na Bienal de Arquitetura de Veneza.

Também é triste a situação da igreja e do convento de São Francisco, no coração da cidade.

Uma das mais belas construções barrocas do país, toda coberta de ouro, parece um tanto largada ao esquecimento, com uma iluminação que em nada favorece o esplendor de seu interior.

O pátio do convento, com seus enormes painéis de azulejaria portuguesa azul e branca, está fechado para restauro –pelo menos é por uma boa causa. O ar decadente, de ruína barroca, nunca se desprende do Pelourinho, uma espécie de Havana brasileira. É feio romantizar o desmanche, mas esse miolo de Salvador vive tanto de glórias passadas, e o passado se expressa tanto nessas construções que ainda param em pé em desafio ao descaso, que o olhar se perde nas camadas de tempo.

Enquanto o poder público tenta manter esse patrimônio, impedindo o colapso total, dois hotéis charmosos fincaram raízes ali, no centro antes degradado de Salvador. Quase lado a lado, o Fasano, no melhor ponto da praça Castro Alves, e o Fera Palace, na vizinha rua Chile, são hoje os motores da gentrificação que deve transformar esse pedaço da cidade, com intensa especulação imobiliária já em curso –os velhos prédios e casarões no entorno vêm sendo comprados para, quem sabe, virar novos endereços de luxo e ostentação às margens do Pelourinho.

Quem for a Salvador agora, na baixa temporada de inverno e longe de um Carnaval que não sabemos ainda se vai existir, tem ao menos essas duas opções requintadas como base de exploração da cidade.

Uma terceira, o antigo convento do Carmo transformado em hotel pelo grupo Pestana, fechou e deve voltar no ano que vem, sob nova bandeira. Já no Fasano e no Fera, o clima de céu firme e eventuais pancadas de uma chuva passageira ajuda.

Do alto dos dois terraços, à beira da piscina, é possível contemplar a baía de Todos os Santos em toda a sua glória, além de marcos arquitetônicos da cidade, do elevador Lacerda e o mercado Modelo à longínqua igreja do Bonfim, orgulho dos baianos. Vale dizer que os dois hotéis também são prédios art déco restaurados para virar acomodação-butique.

O Fasano, de um luxo espartano e serviço de ponta, ocupa o prédio onde antes funcionou o jornal A Tarde –o letreiro sobrevive na fachada–, e o Fera é a reencarnação do antigo Palace, hotel da Salvador gloriosa do início do século passado onde antes o pai de Glauber Rocha mantinha sua alfaiataria.

Se o pôr do sol visto lá do alto já faz valer a pena a visita, é bom saber também que, mesmo com horários reduzidos pela pandemia, bons restaurantes ainda funcionam na cidade, para o jantar depois de um dia exaustivo à beira da água sem fazer nada.

No Carmo, o pequeno Poró é agradabilíssimo. No Rio Vermelho de Jorge Amado, La Taperia honra suas origens espanholas. Quando não é noite, e a manhã em Salvador parece render muito mais, um mergulho na praia do Porto da Barra é a melhor pedida para começar o dia. Deixe o sal no corpo.