Após as manifestações, que começaram nos Estados Unidos e se espalharam por todo o mundo, Uganda, Quênia e Senegal já mudaram ou têm propostas para trocar o nome 

O movimento global que pede a retirada de monumentos em homenagem a figuras ligadas ao passado colonial, desencadeado pelos atos antirracistas após a morte de George Floyd, impulsionou propostas para alterar nomes de locais e estátuas que celebram exploradores, monarcas e opressores na África.

Após as manifestações, que começaram nos Estados Unidos e se espalharam por todo o mundo, Uganda, Quênia e Senegal já mudaram ou têm propostas para trocar o nome até mesmo de locais muito conhecidos, como o Lago Vitória, um dos maiores do planeta.

Localizado entre Quênia, Tanzânia e Uganda, o lago foi batizado em homenagem à rainha Vitória, em 1850, por John Speke, oficial do Exército britânico que buscava encontrar a nascente do rio Nilo.

Incomodados com a memória da presença britânica que transformou o Quênia em uma colônia entre 1920 e 1963, os advogados Wambugu Wanjohi e Kariuki Karanja entregaram uma petição à Assembleia Nacional do país no final de julho para pedir que nomes de locais em homenagem à época do império sejam substituídos por outros "que reflitam a identidade cultural do povo queniano ou de heróis do país".

"Durante a ocupação, esses imperialistas começaram uma farra de renomear locais históricos, alegando que os descobriram", diz Wanjohi à reportagem. "E isso aconteceu apesar do fato de que havia comunidades que lá viviam e já davam nomes e usavam esses lugares há milhares de anos."

Os advogados citam 11 locais entre lagos, cachoeiras e montes, além do famoso Aberdare National Park, batizado em homenagem ao presidente da Real Sociedade Geográfica do Reino Unido Lord Aberdare.

A petição também pede a retirada ou substituição de toda a "iconografia que promova a opressão do povo queniano" e a revisão do currículo escolar, "especialmente a história da ocupação colonial e a luta pela independência, para glorificar, em vez dos opressores, o povo queniano que lutou contra a opressão".

Segundo Wanjohi, apesar de os povos nativos estarem nesses locais até hoje, as crianças são ensinadas nas escolas há anos que os lugares foram descobertos por europeus.

Entre os nomes dados por nativos ao Lago Vitória estão Nnalubaale, na língua luganda, Nyanza, em algumas línguas bantu, e Namlolwe, no dialeto dholuo, no Quênia.

Na vizinha Uganda, um protetorado britânico de 1894 a 1962, movimento similar acontece.

Uma petição online com mais de 5.500 assinaturas pela renomeação de ruas e de outros monumentos do país foi entregue pelo advogado Apollo Makubuya ao primeiro-ministro Ruhakana Rugunda e à presidente da Câmara do país, Rebecca Kadaga.

Assim como no pedido queniano, a solicitação ugandesa, subscrita por parlamentares e juristas de renome do país, também sugere a reforma do currículo escolar e a instituição de uma regulamentação para fazer a troca de nomes a partir de discussões com a sociedade civil.

O pleito ainda estimula a produção de pesquisas e publicações sobre a história da criação de Uganda e do período colonial britânico, para "apoiar o trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU em busca da responsabilização e de reparação às vítimas de décadas de opressão e exploração colonial".

No ato de entrega, Makubuya afirmou que "a iconografia colonial ofende direitos e liberdades fundamentais de grupos e indivíduos contra tratamento cruel, desumano e degradante" e que ela "reforça e celebra uma cultura de supremacia colonial, dominação e impunidade".

Mas a posição não é unânime. Quando o jornal ugandês The Observer publicou reportagem sobre a iniciativa, leitores defenderam que o país trate ruas e monumentos como um museu a céu aberto.

"Não sejamos mesquinhos. Só porque o sr. M7 [apelido do ditador de Uganda, Yoweri Museveni, no poder desde 1986] foi um bárbaro, por exemplo, a próxima administração deveria retirar todas placas e pedras fundamentais das instalações inauguradas por ele?", escreveu um leitor.

"Espero que o sr. Makubuya não esteja pensando em demolir o principal prédio da Universidade Makerere, o Livingstone Hall, [...] porque foi construído pelos colonialistas britânicos."

Para outro leitor, o movimento é uma "loucura", e os defensores das ações, não tão diferentes "dos loucos do Estado Islâmico que usaram martelos e destruíram ruínas de uma antiga civilização no Oriente Médio".

"Seguindo a linha de pensamento desses homens, por que não destruir também as imagens e relíquias de reis ugandeses que vendiam seus súditos para comprar armas?