Em Portugal, vinho é coisa séria e orgulho nacional. No fechado universo vínico do país, porém, nota-se cada vez mais a presença de profissionais brasileiros, da produção à degustação. Além de criar uma premiada marca de vinhos, o empresário paulista André Manz, por exemplo, foi responsável por ajudar a evitar a extinção de uma uva nativa considerada perdida.

Apreciador de vinhos, o brasileiro começou no setor como um hobby, já que, antes de enveredar pela produção de vinhos, em 2010, Manz, em Portugal há 33 anos, criou uma das maiores empresas de fitness do país.

A oportunidade surgiu após se mudar com a família para Cheleiros, pequena cidade a cerca de 45 km de Lisboa, e se deparar com algumas vinhas antigas. Uma variedade de uva branca em particular, pequenina e muito doce, acabou lhe chamando a atenção. Após uma investigação, descobriu que se tratava de uma plantação de jampal, que, por ser considerada frágil e pouco rentável, havia caído em desuso.

O empresário decidiu investir no cultivo da espécie, dando origem ao Dona Fátima, primeiro vinho da Manzwine. A produção cresceu e ajudou a revitalizar o centro histórico de Cheleiros. Atualmente, Manz também produz vinhos na região do Douro, na península de Setúbal e na Toscana, na Itália.

O empresário relata que, nos primeiros anos do negócio, sentiu um pouco de dificuldade por ser um brasileiro no mundo dos vinhos em Portugal. "Nos primeiros cinco anos eu senti dificuldade, porque ainda não havia muitos brasileiros. Quando eu fazia viagens internacionais com outros produtores, me sentia estranho. Não é que eu fosse discriminado, longe disso, mas era estranho", afirma.

Para Manz, a boa recepção do público -a empresa já exporta para quase 30 países e tem no Brasil um mercado importante- e as premiações ajudaram a conquistar espaço entre os portugueses. "Para além do negócio em si, o vinho é uma comunidade, forma relações de companheirismo, o que é gratificante."

Após várias experiências no ramo de vinhos, incluindo uma adega em São Paulo, uma sociedade no ramo de exportação e uma temporada de estudos em Londres, o recifense Ricardo Melo decidiu começar sua própria produção da bebida em Portugal. Na região de Torres Vedras, próximo a Lisboa, ele encontrou uma propriedade com quase 500 anos de história, a Quinta da Ermegeira, que até então estava abandonada.

Após recuperar o espaço e as vinhas, Melo deu início à confecção dos chamados vinhos naturais: orgânicos, não filtrados e sem adição de fermentos ou de açúcar. Ele lamenta não ter conseguido vender o produto no Brasil até o momento. "Tentei fazer o possível, fui para feiras em São Paulo, mas todo mundo acha que está muito difícil, que o câmbio faz tudo ficar muito caro. Mas ainda tenho esperança", diz.

A maior parte da produção da Quinta da Ermegeira já é para exportação, e os dois maiores mercados são os Estados Unidos e o Japão, onde a demanda por vinhos naturais é bastante aquecida.

"O mercado de vinhos naturais é um nicho muito específico. São vinhos sem interferências, sem aditivos químicos, sem nada. É um conceito que existe no mundo inteiro, inclusive na Europa, mas que em Portugal não tinha sido muito difundido. Esse movimento começou há menos de cinco anos", explica.

A recuperação de antigas fazendas abandonadas, aliás, tem sido uma porta de entrada para muitos brasileiros interessados em se aventurar na produção de vinhos.

No Norte de Portugal, no Douro -região vinícola demarcada como a mais antiga do mundo-, o mercado para estrangeiros tem estado particularmente aquecido. A presença brasileira, no entanto, não se limita à produção. Sommeliers e enólogos do país são presença comum em restaurantes e lojas de referência.

É o caso do carioca Pedro Henrique Ramos, 39, um dos sommeliers chefes do Alma, restaurante em Lisboa com duas estrelas Michelin, e influencer de vinhos nas redes sociais. Especialista em vinhos portugueses, ele se mudou para Portugal em 2014 para estudar todas as etapas da produção da bebida, da plantação à degustação. Pedro chegou a morar durante um período em uma fazenda na região do Alentejo para acompanhar a colheita das uvas e o processo de fabricação dos vinhos. Ele conta ter ficado fascinado pelos vinhos portugueses ainda criança, após passar férias com a família em Portugal e visitar as históricas caves do vinho do Porto.

Conhecido nas redes sociais como Pedrones, o sommelier concilia o trabalho no restaurante com posts e vídeos bem-humorados nas redes sociais. Junto com a esposa, a especialista em comunicação digital Liana Saldanha, ele dá dicas e ensina técnicas de harmonização e degustação da bebida.

Ramos relata que o fato de ser brasileiro, às vezes, causa alguma desconfiança entre os clientes lusitanos. "Felizmente é algo raro, mas já aconteceu. Houve um cliente que fez questão de dizer que não estava muito confiante na minha indicação. No fim das contas, depois de provar o vinho, ele veio me pedir desculpas. Nesses casos, a melhor resposta que eu posso dar é o meu trabalho", diz.

Inaugurado em 2019 e já com uma estrela Michelin, o restaurante Eneko Lisboa também tem um brasileiro como sommelier. A harmonização dos vinhos da casa fica a cargo do paulista Diego Apolinário, que integra o projeto desde a abertura. Em Portugal há oito anos, ele relata que a conexão com o mundo dos vinhos aconteceu por acaso, já após se estabelecer na capital portuguesa.

"Resolvi me mudar para Portugal depois de vir de férias e me apaixonar pelo país. Eu nem gostava de vinhos, mas comecei a trabalhar em um restaurante com uma pessoa espetacular. Meu chefe era uma enciclopédia ambulante, um dos sommeliers mais antigos do país. Comecei a estudar por conta própria e, depois, a fazer as certificações internacionais", explica.

Os estudos e as provas de certificação como sommelier o levaram ainda para Áustria e Reino Unido. "Os portugueses têm muito orgulho de seus vinhos. Então, num primeiro momento, pode até haver alguma desconfiança, mas é só começarmos a falar sobre o tema que a conexão vem", diz. "Os portugueses são bem mais abertos do que muita gente espera."