Por: Giuliana Miranda

Após 226 anos do início das obras, a ala poente do Palácio da Ajuda, última residência dos reis de Portugal, foi aberta ao público com o novíssimo Museu do Tesouro Real. A instalação abriga uma coleção com mais de mil peças, que incluem joias raras e valiosas da coroa portuguesa, além de moedas, itens de ourivesaria religiosa, prataria artística -e grande quantidade de ouro e diamantes do Brasil.

Este é o nome, inclusive, de uma das 11 áreas temáticas da exposição. Um painel destaca a abundância das jazidas de Minas Gerais e seus "diamantes em enorme e inédita quantidade", que proporcionaram uma mudança de paradigma na joalheria portuguesa, "que passa a ser definida não pelos metais preciosos, mas sim pelas pedrarias". Não por acaso, das 22 mil pedras da exposição, 18 mil são diamantes.

O texto da seção brasileira menciona que a corrida do ouro trouxe exploradores e aventureiros à região, mas não faz alusões à mão de obra de africanos e indígenas escravizados nas minas de extração.

Diretor do Palácio Nacional da Ajuda, o historiador José Alberto Ribeiro diz que as referências à escravidão foram incluídas apenas no catálogo da exposição, que ainda não está disponível. A previsão é que a compilação, cuja impressão teria sido atrasada devido à Guerra da Ucrânia, fique pronta em julho.

"Isso é falado no catálogo, logo na abertura, quando se fala em mineração. A exposição é puramente para mostrar as joias do tesouro real e contar sua história", afirma Ribeiro.

Além das joias finalizadas, a mostra exibe uma série de pedras brutas e pepitas de ouro. O maior destaque é também proveniente do Brasil: a provável segunda maior pepita de ouro do mundo, com cerca de 22 kg.

As joias da realeza, no entanto, são o ponto mais disputado do museu, que faz um grande apanhado temporal e de estilos, mostrando como os adornos da monarquia evoluíram ao longo dos anos.

É nesta área que estão algumas das principais peças da coleção, como o grande laço de esmeraldas que pertenceu a Maria Bárbara de Bragança, que era filha do rei Dom João 5º e foi rainha da Espanha. A peça chegou a ser desmanchada e teve seus pedaços utilizados para compor outros ornamentos, mas foi restaurada à sua forma original.

"A joia entra na Casa Real após a morte da rainha, que não teve filhos, e deixou sua herança à família portuguesa", explica Ribeiro. "São consideradas uma das esmeraldas colombianas mais límpidas."

Outra peça restaurada é uma tiara em ouro, de Dona Estefânia, recebida como presente de casamento de Dom João 5º. A joia foi considerada desaparecida durante vários anos e só foi descoberta recentemente, quando especialistas da coleção identificaram que a peça estava, na verdade, desmontada.

"Era uma joia que devia ser muito desconfortável, porque, quando Dona Estefânia a usou no casamento, há relatos de que sangrou na testa", conta o diretor do palácio.

Originalmente com 4 mil diamantes, a peça é exibida totalmente "descravejada", assim como alguns outros itens. A ideia é mostrar também como a realeza fazia uma espécie de reciclagem das pedras preciosas, que tinham seus adornos trocados constantemente. Há ainda uma seleção de joias completamente pretas, idealizada para momentos de "luto profundo".

Valiosas, as joias reais não escaparam de vendas, roubos e leilões ao longo dos anos. A coleção exibe, no entanto, vários itens que o Estado português conseguiu recomprar ao longo dos anos. Nem todas as tentativas de aquisição, porém, foram bem-sucedidas. Leiloada na Christie's em maio de 2021, a tiara de diamantes e safira da rainha Maria 2ª -que era filha de Dom Pedro 1º e nasceu no Rio de Janeiro- acabou arrematada por um magnata do Oriente Médio.

Portugal chegou a fazer lances pela peça, mas o orçamento disponibilizado para a compra não foi suficiente contra o EUR 1,3 milhão (cerca de R$ 6,7 milhões) oferecido pelo colecionador. O proprietário, porém, concordou em emprestar a peça para a abertura do museu, onde ela permanecerá por um ano.

A mostra também tem um núcleo dedicado aos objetos rituais da monarquia, que representavam o poder dos reis de Portugal. Símbolo máximo do poder real, a última coroa foi encomendada no Brasil, em 1817, para a cerimônia de aclamação de Dom João 6º.

Toda em ouro, a peça tem uma particularidade: não era colocada na cabeça dos soberanos no momento em que passavam a reinar. Isso acontecia por conta de uma tradição iniciada pelo primeiro rei da dinastia de Bragança. Após reconquistar a independência de Portugal junto a Espanha, em 1640, Dom João 4º, entregou simbolicamente sua coroa a uma imagem de Nossa Senhora da Conceição e afirmou que ela seria a "verdadeira rainha de Portugal".

Daquele momento até a instauração da República, em 1910, os monarcas portugueses não tinham uma cerimônia de coroação, mas sim uma aclamação, em que o novo soberano recebia a coroa, mas não a colocava na cabeça.
A mostra impressiona ainda com a reprodução de uma enorme mesa de jantar real.

Encomendada ao ourives francês François-Thomas Germain após o grande terremoto de 1755 destruir o conjunto anterior, a imponente baixela, com vários detalhes artísticos, é referência mundial em qualidade e raridade.

A última parte da mostra chama-se "Viagens do Tesouro Real" e é dedicada à mobilidade de seu conteúdo, incluindo em momentos não tão gloriosos da história portuguesa, como o embarque da família real e da corte para o Brasil em 1807.

A maior parte do tesouro volta para Portugal em 1821, com o regresso de Dom João 6º. Os bens que ficaram a serviço da regência no Brasil, no entanto, tiveram destino bem mais disperso. Alguns dos itens voltaram a Lisboa, enquanto outros têm ainda paradeiro desconhecido.

Segundo o diretor do museu, o acervo não será emprestado a outras instituições. Há uma preocupação com a segurança das peças após um roubo ocorrido em dezembro de 2002, na Holanda.

Essa preocupação permeia todo o museu, que está instalado em uma das maiores caixas-fortes do mundo. São 40 metros de comprimento, 10 metros de largura e outros 10 metros de altura. Os acessos são feitos por portas blindadas de 5 toneladas. Todas as vitrines têm controle de temperatura e vidros à prova de bala.

Para chegar até lá, é preciso ainda passar por um detector de metais. Bolsas, mochilas e casacos passam por uma máquina de raio-x semelhante às que existem nos aeroportos. O museu está aberto todos os dias, com ingressos a EUR 10 euros (cerca de R$ 51).