Manoel Torres

por Cláudio Magnavita*

 A notícia da morte de Manoel Torres impactou a todos que o conheciam. Ninguém ficava indiferente a ele, principalmente aqueles que trabalharam diretamente na Varig e especialmente na TAP. Ele fazia parte do grupo dos três mosqueteiros - que, na verdade, sempre foram quatro - que, saindo juntos da companhia aérea brasileira, foram fazer história na TAP. Para este grupo, a morte de Torres é luto em família. Viraram irmãos. Nesta jornada de quase duas décadas estiveram juntos todos os dias.

A alquimia que une Fernando Pinto, Luiz da Gama Mor, Michael Connolly e Manoel Torres ultrapassa o plano da normalidade. Eles se completam e conhecem profundamente uns aos outros, conversam praticamente por telepatia.

Fernando como maestro;  Luiz Mór, cuidando do Marketing e Vendas; Connolly dos números e Torres na operação. Quem conviveu com este grupo nos anos Varig e, depois na TAP, pode perceber exatamente no Manoel uma profunda transformação, no trato, na forma de comandar e o surgimento da paciência, algo que lhe faltava no Brasil e que em Portugal brotou com muita força.

A engenharia da utilização de frota da TAP nos vôos de longo curso, que Manoel Torres comandou, é um case mundial na aviação comercial, o modelo Tap, ou melhor o "modelo Torres", para sermos justos, permitiu o uso intensivo da frota da aérea portuguesa, praticamente em vôos pendulares, que nunca deixavam no chão os A340, A310 e os A330, que passaram a ter uma utilização recorde para os usuários do Airbus. Usando o fuso horário a seu favor, ele criou o dia de 28 horas, que permitiam aos aviões irem e virem ao Brasil, de forma continua e uma rede de conectividade em Lisboa, impensável antes da chegada desta equipe ao comando da TAP. São inúmeras as suas contribuições para a aviação comercial.

Os resultados foram imediatos e hoje 2/3 do faturamento da TAP são captados no exterior. A TAP companhia passou a ser uma das maiores arrecadadoras de divisas de Portugal. Com a saída dos 310 e o aumento dos 330, Manoel Torres fortaleceu ainda mais as ligações, criando frequências nobres, que utilizam a madrugada nos dois sentidos. Nas ligações europeias, conquistou mercados, estabelecendo lideranças que tiraram concorrentes das rotas.

Para a África, aplicou a mesma formula de eficiência e conectividade. Empresa líder nos mercados que atua, com baixo custo operacional e uma utilização máxima da frota. Para ele, avião no chão era sinônimo de prejuízo. A sua engenharia em montar malhas (malha aérea é uma expressão da cultura variguiana) permitiu à TAP crescer em importância na Star Aliance e de patinho feio, passar a ser a coluna vertebral da aliança com o Atlântico Sul. Na Europa, levou a companhia a voar até a Russia e ser, verdadeiramente, uma empresa europeia.

Torres nos deixou em plena ação. Mérito para Humberto Pedrosa, acionista português da TAP, que não permitiu que ele vestisse o pijama e o convidou para que continuasse presente neste processo de transição. Enfrentou um câncer (cancro em Portugal) de pulmão com muita luta. Mas foi abatido por uma metástase, que afetou exatamente o cérebro. Foi fulminado na terceira sessão de uma dura quimioterapia que lhe roubou a consciência e o fez partir em apenas uma semana. O mesmo cérebro genial que, durante anos, foi colocado à disposição da aviação, que soube otimizar os recursos que tinha e soube aproveitar a posição geográfica de Portugal.

Nos meses finais, Manoel Torres estava sereno, de certa forma, carinhoso e lutando para preservar o seu legado na TAP. Avião cheio não significa lucro, se não tiver qualidade na venda e ele sabia disso. A harmonia deste grupo não quebra com a partida do Torres. Os seus ensinamentos estão vivos nos três que ficaram e, como já falavam por telepatia, continuarão conversando.

Manoel Torres embarcou para a grande viagem no apagar de abril. Viagem que todos nós iremos realizar algum dia. Porém, ele partiu levando na bagagem coisas que poucos conseguem: a sensação do dever cumprido, de ter feito história, de ter trabalhado com o que gosta, de ter feitos irmãos de verdade e de ter se transformado em uma pessoa ainda melhor. Deixa um legado que precisa ser lembrado e seguido.  Merece aplausos de pé de todos que amam aviação e reconhecem a importância dos seus ensinamentos.  Descanse em paz amigo você é um vitorioso!   

Cláudio Magnavita é jornalista especializado em aviação e Publisher do Jornal de Turismo