Reaberta a turistas, região de geleiras, montanhas e florestas é mais informal e barata que trecho sul

Por Luiz Rivoiro

Depois de tanto tempo de isolamento e restrições, explorar a porção norte da Patagônia chilena pode ser uma oportunidade de se reconectar com uma natureza há muito distante, pontuada por florestas impactantes, montanhas com picos permanentemente nevados, geleiras monumentais e impressionantes formações de mármore que parecem flutuar sobre as águas.

Menos famoso que sua porção sul, conhecida pelo Parque Nacional Torres del Paine e seus hotéis de luxo, o norte recebe os visitantes de uma maneira mais informal e até mais em conta, mas nem por isso menos acolhedora –ainda que viajar no Chile nunca seja exatamente barato.

Para entrar no Chile, visitantes estrangeiros precisam apresentar um teste do tipo PCR para Covid-19, feito até 72 horas antes do embarque, completar um formulário eletrônico com informações de contato e saúde até dois dias antes da viagem e contratar um seguro-saúde que cubra pelo menos US$ 30 mil em despesas, incluindo gastos com Covid-19. Também é preciso preencher diariamente um formulário de saúde.

Só é permitido aos estrangeiros se locomoverem entre cidades que estejam nas fases 3 ou 4 do plano chileno para conter a pandemia (veja a situação de cada comuna em gob.cl/coronavirus/ pasoapaso). Para mais informações, consulte o site chile.travel/planviajarachile.

Uma vez em Santiago, o jeito mais fácil de acessar a região é pegar um voo de duas horas e meia até Balmaceda. Dali, são mais duas horas de carro até o hotel Loberías del Sur, em Puerto Chacabuco, cidadezinha portuária com 1.200 habitantes e um dos principais centros de processamento de salmão do país. Tradicional, o quatro estrelas Loberías é o hotel mais bem equipado das redondezas. O hotel reabre para sua temporada de verão nesta sexta (18).

Além do conforto, oferece infraestrutura e transporte para os principais passeios. Para conhecer as principais atrações locais, a recomendação é reservar pelo menos cinco dias, já que as distâncias, por terra ou mar, são longas e cada passeio pode levar um dia inteiro. Pode parecer muito, mas, acredite, vale a pena.

Como aquecimento, a dica é começar pelo parque Aikén del Sur (transporte a partir do hotel com capacidade reduzida de visitantes; obrigatório usar máscara), uma reserva natural de 300 hectares, com trilhas bem sinalizadas para observação de plantas e pássaros típicos da Patagônia.

Ao final, o visitante é convidado a participar de um almoço típico no chincho (com capacidade reduzida, uso de máscara obrigatório também). No menu, cordeiro à moda patagônica, ou seja, assado inteiro em um braseiro no chão bem no meio do salão, regado a vinho, música popular, dança e pisco.

Mais puxado, alternando trechos de asfalto liso e rípio (cascalho), o passeio até as Capillas de Mármol (capelas de mármore) pode levar um dia inteiro, com cerca de cinco horas de traslado tanto na ida, como na volta, ou dois, caso seja possível o pernoite em Puerto Río Tranquilo. Se tiver opção, fique com a segunda. É mais confortável, e o imponente lago General Carrera merece um pouco mais que os 15 minutos para o xixi dedicados a ele caso você esteja na jornada de um dia apenas.

O acesso até as Capillas se dá por meio de lanchas. O passeio dura cerca de duas horas e leva o visitante até o interior dessa ilha de mármore maciço com aspecto de catedral gótica, considerada um santuário da natureza.

Com o motor do barco desligado e bem próximo às paredes, é possível observar em detalhes o contraste do mármore multicolorido com o azul profundo das águas. Difícil ver algo assim em qualquer outra parte do mundo.

Uma vez de volta à base, é hora de se preparar para a excursão ao local mais popular da região: o Parque Nacional Laguna San Rafael. A viagem parte do porto em frente ao hotel e até a geleira principal são quatro horas a bordo de um catamarã moderno e bastante confortável, com direito a refeições, bebidas e excelente calefação (durante a pandemia, a capacidade foi reduzida de 237 para 130 passageiros).

No trajeto pelo canal, blocos de gelo azulados vão surgindo pouco a pouco. Em pequenos grupos, os visitantes são convidados a embarcar em botes motorizados e levados em direção à geleira, um paredão com mais de 30 metros de altura. Dá para imaginar o que Jon Snow sentiu em sua primeira vez diante da muralha de "Game of Thrones".

De vez em quando, blocos gigantescos despencam emitindo um som assustador. Esses desmoronamentos impedem que os botes, por segurança, se aproximem muito da parede. Mais e mais frequentes, também são um sinal de que a temperatura vem subindo na região, provocando um já evidente recuo glacial. Se alguém ainda duvida do aquecimento global, este é o lugar certo para comprová-lo de forma inequívoca.

A volta é marcada por festa no catamarã (segundo o hotel, as atividades agora estão adaptadas ao distanciamento social). O bar é aberto com direito a vinho, pisco e uísque. O resultado é um animado karaokê, com cantoria em diversas línguas, desastrosos passos de dança e uma ressaca quase certa no dia seguinte.

Por isso, deixe o último dia para descansar e percorrer ao menos um trecho da famosa Carretera Austral nos arredores. Com certeza, terá um excelente motivo para voltar.
Colaborou Ana Luiza Tieghi

Carretera Austral é para os que curtem muito pegar estrada

Puerto Montt (Chile) - Se você é do tipo que gosta de dirigir, mas gosta mesmo, há uma outra maneira de se conhecer a porção norte da Patagônia chilena: se aventurar pela mítica Carretera Austral, estrada com seus 1.240 km alternando trechos em asfalto, rípio (cascalho), barro e neve em meio a parques nacionais, vilarejos e paisagens de tirar o fôlego.

Com a construção iniciada em 1976, a rodovia tem seu marco inicial em Puerto Montt, região dos lagos e vulcões próxima a Puerto Varas e Frutillar, e se estende até Villa O'Higgins, rasgando a paisagem como a única via de ligação terrestre entre o norte e o sul dessa parte da Patagônia.

A dica é reservar ao menos dez dias, pegar o carro em Puerto Montt e ir descendo até Puerto Chacabuco. Mas não pode ser qualquer carro.

Escolha um SUV confiável, com suspensão alta e reforçada, para encarar os trechos em rípio e outras adversidades. Também evite o inverno, pois neva e chove muito na região, tornando alguns trechos intransitáveis. Assim, planeje viajar entre novembro e fevereiro, quando é mais seguro.

Neste momento, a cidade de Puerto Montt está na fase 2 do plano chileno de combate à pandemia, e turistas só podem se locomover para destinos que estejam nas fases 3 e 4. As fases são revisadas regularmente, portanto confira antes de viajar em gob.cl/coronavirus/pasoapaso.

Planejamento, por sinal, é a palavra-chave dessa viagem. Até o destino, são duas travessias em balsas, sendo que uma delas, entre Hornopirén e Chaitén, pode levar até cinco horas.

Para este trecho, é preciso comprar passagem com antecedência no site barcazas.cl e se programar para estar no local de embarque logo pela manhã, pois só há uma balsa por dia. Se perder, abraço! A boa notícia é que a embarcação é confortável e conta com um honesto serviço de cafeteria.

Em terra firme, a estrada alterna trechos em asfalto novíssimo com outros nem tanto. Dirigir no rípio não é tão complicado, e logo o motorista se acostuma com o barulho das pedrinhas martelando o carro e o sacolejo por causa dos buracos frequentes. Com isso em mente, não economize no seguro, pois invariavelmente o veículo vai retornar com vários riscos e pequenos amassados na lataria.

Outra recomendação é ficar de olho no combustível, já que não há postos ao longo da estrada, apenas nas cidades.

Para além da Carretera Austral, vale desviar um pouco na altura de Chaitén, deixando para trás essa região devastada por uma forte erupção vulcânica em 2008, e esticar por pelo menos dois dias até Futaleufú, uma pequena e charmosa cidade próxima à fronteira com a Argentina famosa pelas corredeiras ideais para a prática do rafting e espírito meio hippie.

De volta à estrada principal, a próxima parada é Puyuhuapi, vilarejo de colonização alemã às margens de um fiorde, com direito a termas com piscinas de água quente ao ar livre e boa estrutura para hospedagem e alimentação.

É uma excelente base para ir ao Parque Nacional Queulat, que abriga o Ventisquero Colgante, uma impressionante cascata de gelo (durante a pandemia, é preciso reservar a entrada no site bityli.com/IOlru).

O último trecho até Puerto Chacabuco é o mais difícil, pois é preciso percorrer uma estrada estreita com rípio, barro e, por vezes, neve, que cruza o parque Queulat. Bastante íngreme em certos momentos, exige do motorista cautela e paciência, pois há caminhões que não raramente atolam, bloqueando a estrada. A neblina é constante.

A boa notícia é que, vencido o desafio, chega-se à uma região plana, de vales verdes ladeados por montanhas com neves eternas e rios límpidos, onde é comum a pesca de salmão selvagem.

Uma estrada em boas condições leva a Aysén e Puerto Chacabuco, onde a segunda parte da viagem começa.

Animou? Ótimo! Só não se esqueça que a volta é pelo mesmo caminho. Afinal de contas, a Carretera Austral é uma só.