Atropelamentos marcam os primeiros passos e colocam em alerta CNTur, secretários estaduais e entidades do Bem Receber Copa
Por Cláudio Magnavita*

A solenidade de posse do novo ministro do Turismo, Gastão Vieira, foi emblemática. A presidente Dilma Rousseff dava sinais de carinho e absoluta atenção ao discurso do novo colaborador. Quem conhece de perto o "jeito Dilma" de governar, captou que o novo ministro estreava com o pé direito e contando com um raro apoio presidencial.

Algo teria ocorrido. O milagre da simpatia imediata tinha alguma razão de ser e não era o apoio do primeiro escalão do PMDB, especialmente do vice Michel Temer e do presidente do Senado, José Sarney.

No discurso da presidente, outros sinais de carinho. Não apenas para o empossado e sua família, mas para o setor de turismo, que até então vinha sendo tratado de forma madrasta pelo Palácio do Planalto.

A solenidade, fechadíssima, para poucos, com menos de 70 presentes, reuniu todos os ministros da casa, incluindo os do PMDB, Edison Lobão e Mendes Ribeiro.

O milagre tinha na verdade ocorrido pela manhã, quando, em Belo Horizonte, uma conversa ao pé do ouvido, como os mineiros gostam, juntou o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia e a presidente Dilma.

Com todo o seu entusiasmo, Mares Guia não poupou elogios ao nome escolhido. Funcionou como um grande avalista e, principalmente, tranquilizou a chefe da nação com relação a escolha realizada quase de supetão no dia anterior.

Dilma desembarcou em Brasília contagiada pelas palavras do ex-ministro do Turismo na era Lula e chegou ao Palácio desarmada de qualquer sobressalto. Foi carinhosa e afetiva nos abraços. Era o final feliz para um crise que envolveu ingredientes tenebrosos, como Polícia Federal, artilharia pesada da mídia, revolta da maior bancada aliada da Câmara e dificuldade na escolha de um nome que enfrentasse a lupa da imprensa.

Mares Guia foi o homem certo, na hora certa, com as palavras corretas e com a pessoa adequada. Coisa que só os deuses explicam.

Como deputado voltado aos assuntos da Educação, Gastão Vieira foi, segundo o próprio Mares Guia, "o maior amigo que tive no Parlamento". Foi um dos deputados que constantemente era recebido para almoçar no gabinete de Mares Guia e um dos seus principais articuladores na Câmara. A dobradinha começou quando os dois, como deputados, militavam na defesa da educação.

As primeiras interlocuções foram com os ex-colaboradores de Mares Guia, Maria Luísa Leal e Milton Zuanazzi. Ele se cercou dos ensinamentos do primeiro ministro da pasta e por isso ganhou um plano de voo.

No seu primeiro encontro com o Comitê Gestor do Conselho Nacional de Turismo, Vieira recebeu um documento que foi música para os seus ouvidos. Os conselheiros pediam textualmente que fossem restaurados os princípios da gestão participativa implantada por Mares Guia. O nome do ex-ministro, aliás, era citado nominalmente pelos conselheiros, coisas que – mais uma vez – só os deuses explicam!

Vieira encontrou como responsabilidade maior da sua pasta para a Copa do Mundo, os programas de capacitação profissional, ou seja, metas ligadas a educação. Setor que ele nada de braçada. Em uma primeira conversa com o ministro da Educação, Fernando Haddad, foram lançadas as bases de um programa de formação bilíngue, que permita, com recursos federais, a formação de jovens com fluência em inglês, francês e espanhol. Para um educador, a missão de educar. Coisas que só os deuses explicam!

O caminho não é só de flores. Um desfiladeiro perigoso está na rota, principalmente no que se refere ao passado recente do Ministério. O modelo de gestão descentralizada desenvolvido por Mares Guia, que convocou as entidades principais do turismo para serem executores dos principais programas do ministério, precisa ser preservado. O MTur não tem musculatura para fazer tudo e nem flexibilidade legal. O problema é expurgar os caronistas, entidades que foram surgindo do nada e começaram a abocanhar boa parte do orçamento ministerial.

A multiplicação de entidades fantasmas e de institutos que surgiram a partir de transformações cirúrgicas de CNPJs comprados é o grande problema.

O ex-ministro Pedro Novais já havia achado a solução, quando baixou portaria que só permitia novos convênios com as entidades ligadas ao Conselho Nacional de Turismo.

As medidas saneadoras do ex-ministro são exemplares. Representam um legado que poderá ser seguido pelo seu sucessor.

Um paiol de problemas

A maior dificuldade de Vieira será equilibrar as necessidades de corte com os interesses e apadrinhamentos políticos de boa parte destes processos. Ele continua sendo um ministro do PMDB e um parlamentar licenciado. Um exemplo disso é o próprio convênio do Ibrasi, o instituto fantasma da Operação Voucher. Ele  é fruto da ação da deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP), uma das expoentes do PMDB Mulher. Este convênio-bomba surgiu por emenda da deputada do Amapá e foi até clonado por outro deputado no Paraná.

A atuação pessoal do ex-secretário executivo Frederico Costa criou uma rede de atendimento de interesses parlamentares, quase no estilo de uma corrente da felicidade.

O atendimento de emendas começou no final da gestão de Mares Guia, quando um modelo profissional elencava até em um atlas as necessidades turísticas do estado e dava aos parlamentares a possibilidade de ter emendas que atendiam verdadeiramente o turismo. Costa parece ter esbarrado neste modelo, onde sentiu que, promovendo ajustes, poderia até oxigenar financeiramente as campanhas de parlamentares.

A ascensão profissional de Costa é proporcional ao volume de emendas que passava a atender diretamente. Não são dezenas, mas centenas de nomes que, no parlamento, achavam que "Frederico Costa era o cara!"

O gerenciamento deste esquema de relacionamento parlamentar é tão grande que envolveu até, segundo fontes do Congresso, um cenário paradisíaco para encontros secretos e mais íntimos na beira do lago.

O grande desafio

Como destravar e enterrar este passado sem contrariar aliados e gerar conflitos de interesse? Se o novo ministro ligar o ventilador, cria uma crise ainda maior na República e no Parlamento do qual se licenciou. Se engavetar a apuração das irregularidades, corre o risco de ser conivente. Administrar este passivo será a sua missão mais delicada. Um paradoxo que só os deuses podem ajudar a resolver!

Da sua posse em diante, os fatos novos não serão problema. Gerir este passivo explosivo é o grande desafio.

Deve-se levar em conta também um agravante, o Governo é um só. Depois de Mares Guia, tivemos Marta Suplicy e Luiz Barretto, dois ministros do PT. Marta é senadora e um das estrelas do partido e Barretto, da cota pessoal do ex-presidente Lula. A presidente Dilma é do PT e o Governo é do PT, do qual o PMDB é sócio-minoritário. Atirar no passado recente é atirar no Governo. Nem os deuses se arriscam neste cenário.

Resta ainda uma conta que poderá ser apresentada pelo PMDB em um futuro breve. A recuperação da imagem de Colbert Martins, ex-deputado, que foi tragado pelo furacão Voucher e que se encontra afastado pela Justiça da Secretaria Nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo.

Outra conta desconfortável é o compromisso moral de valorizar o legado do ex-ministro Pedro Novais, que realizou diversas ações positivas e que nunca foram amplamente divulgadas. O ex-ministro do PMDB fez muita coisa positiva pelo turismo nos últimos meses que não deve ser esquecida. Aliás, no seu discurso de posse, o novo ministro esqueceu de citar o nome do seu antecessor, fato corrigido pela presidente Dilma em seu discurso.

Ter coragem de defender publicamente o legado de Novais é fazer justiça ao colega de partido e conterrâneo. Ele pode ter se desligado do Parlamento, mas só migrou para o executivo por causa da sua filiação partidária. Ser fiel ao PMDB é algo que os deuses esperam!

Neste aspecto partidário, o carismático Mares Guia também pode ser referência de futuro. Ele começou como ministro do PTB e terminou na cota pessoal do Lula.

A missão de Gastão Vieira é intensa e complexa. Ele tem plano de voo assinado por um expert como Mares Guia e terá de mostrar habilidade política para se proteger do arsenal das bombas-relógio que estão num verdadeiro paiol no qual se transformou a sala onde estão guardados os convênios, principalmente os oriundos de emendas parlamentares.

No programa Bem Receber Copa, por exemplo, existem ações realizadas com entidades sérias, que fazem partem do Conselho Nacional de Turismo e já em estágio final de execução e com prestação de contas em dia. Pisar no freio ou puxar o freio de mão abruptamente pode criar sequelas irreparáveis para aqueles que acreditaram no Governo e estão executando os programas. Um acórdão do próprio Tribunal de Contas de União reconhece a execução destes convênios. Este modelo de cooperação com entidades, que sabem o que fazem no seu setor, é fruto direto da gestão Mares Guia.

Um sinal de alerta é uma tendência exagerada de criar agora laços com o Sistema CNC (Confederação Nacional do Comércio) e o Senac. No turismo não há consenso desta representatividade, já que existe legalmente a CNTur (Confederação Nacional do Turismo), que ocupa o seu espaço. Espera-se no mínimo uma isonomia no tratamento dado a CNC e a CNTur. É bom lembrar que na gestão de Mares Guia tiveram diversos embates entre a então secretária Maria Luísa Leal e o Senac, chegando a vias do rompimento. Tudo registrado nas atas do Conselho Nacional.

Como parlamentar, o ministro também deve ter tido ciência do fogo cruzado que a então presidente da Comissão de Turismo e Desportos, a ex-deputada professora Raquel Teixeira - outra parlamentar ligada à Educação, sofreu na realização da Cbratur 2010 - evento da Câmara para debater o turismo - e que só privilegiava a CNC. A artilharia foi tão intensa que a CNTur passou a assinar também o evento.

Como neófito do setor do Turismo, recomenda-se ao ministro conhecer os atores e personagens, além do passado da pasta. Aliás, falta um guardião da memória no MTur das gestões anteriores. A velocidade de tentar fazer, pode atrapalhar e criar sequelas irrecuperáveis e gratuitas. Faltam ainda três anos para terminar o Governo Dilma.

Um exemplo deste atropelamento de estreante, foi a tentativa de se montar uma agenda às pressas no Rio. Usou-se a Prefeitura como interlocutora no convite para um encontro com dirigentes do trade local. O papel legal de agente do Ministério no Estado é a Secretaria Estadual de Turismo, que aliás é o órgão delegado da fiscalização do MTur. Alijar um secretário de estado do turismo do seu papel de representatividade é no minimo indelicado. Existe também o Conselho Estadual, que é o fórum regional da estrutura de governança do Ministério, um palco oficial para interlocução com o trade. Até para agendar um encontro com um governador, recomenda-se que se utilize o ritual de comunicar a Secretaria Estadual de Turismo. A compreensão destas regras é o mínimo que se espera de um homem público experiente e que foi secretário de estado várias vezes.

Como se sentiria o então secretario de Educação do Maranhão, Gastão Vieira, se o ministro da Educação resolvesse fazer uma visita ao Maranhão e pedisse ao secretário municipal de Educação de São Luís que cuidasse da agenda e escolhesse os interlocutores locais. No caso do turismo é pior, porque existe a figura do órgão delegado. Esta gafe política no principal estado turístico do país deixou alguns secretários estaduais preocupados.

Atropelamentos à parte, o novo ministro tem tudo para acertar, principalmente por contar com as portas abertas do Palácio do Planalto e demonstra humildade em aprender. A vivência do dia a dia do setor o ajudará a conhecer as filigranas políticas do turismo. Inteligência não lhe falta para compreender o cenário onde está pisando. Que os deuses fiquem do seu lado!

* Cláudio Magnavita é membro do Conselho Nacional de Turismo e vice-presidente do Conselho Estadual de Turismo do Estado do Rio de Janeiro.