Daniele Madureira (Folhapress)

O desastre econômico que se abateu sobre o setor aéreo na pandemia promete mudar a configuração do mercado brasileiro de aviação civil, gerando maior concentração -o que traz de volta o debate sobre os riscos da falta de competição para o preço final das passagens.

De acordo com a IATA (Associação Internacional de Transportes Aéreos), houve queda de quase 70% na demanda global de passageiros. O recuo nas receitas atingiu 61%.
"A pandemia foi o maior choque na história da indústria da aviação", afirma o analista da Lafis Consultoria, Felipe Souza. No Brasil, os impactos se estenderam aos contratos de concessão aeroportuária, afirma.

"A queda expressiva da demanda, com a respectiva perda de receitas tarifárias e comerciais, junto com a paralisação de serviços e variações inesperadas nas taxas de câmbio, complicaram a vida do setor", diz.

Neste cenário, as maiores empresas se organizam em busca de aquisições para tentar voltar a ter escala e manter suas rotas. Na noite de terça-feira (8), a Gol anunciou a compra da amazonense MAP, por R$ 28 milhões, o que deve torná-la líder em número de slots (horários de partida e chegada) no aeroporto de Congonhas, o mais concorrido do mercado e o segundo maior do país, só atrás do Aeroporto Internacional de Guarulhos (Cumbica).

De outro lado, a Azul abre suas asas sobre a Latam Brasil, cuja controladora, o grupo chileno Latam, entrou com pedido de recuperação judicial há um ano nos Estados Unidos, com dívidas de quase US$ 18 bilhões (R$ 91 bilhões).

A Azul estaria esperando a Latam apresentar seu plano de recuperação para fazer uma proposta de compra da operação brasileira aos credores do grupo chileno. As suas afiliadas, incluindo a Latam Brasil, também estão em recuperação judicial.

Enquanto isso, a empresa avança pelo interior do país. Nesta quinta-feira (10), a Azul anunciou o que qualificou de maior plano de expansão regional da história da aviação brasileira no Amazonas. Afirmou que, no segundo semestre, vai adicionar à malha aérea oito novos trechos no estado: Barcelos, Apuí, Eirunepé, Itacoatiara, Humaitá, Borba e Novo Aripuanã.

A divulgação foi feita durante encontro com Ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, o Ministro do Turismo, Gilson Machado, e parlamentares da bancada do estado.
Esses movimentos ocorrem em um momento em que as três maiores companhias aéreas nacionais -Gol, Latam e Azul- reportaram prejuízos de R$ 6,2 bilhões em 2020, por conta da pandemia do novo coronavírus.

Um dos maiores desafios é diminuir ainda mais seus custos fixos. Só a Latam cortou cerca de 30% do seu pessoal no ano passado no Brasil. Os impactos desses movimentos para o consumidor geram controvérsia.

André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company, lembra que, antes da Gol, havia quatro grandes players no mercado -Varig, Vasp, Transbrasil e TAM-, sem forte competição. "As tarifas eram caras e as empresas eram acomodadas, não havia um mercado de capitais forte, com acionistas cobrando desempenho", afirma.

"Com Azul e Gol, o Brasil pode voltar ao duopólio do início dos anos 2000, quando as maiores operadoras eram TAM e Gol, e isso não me parece ruim", diz Castellini. "A rivalidade acirrada entre as duas garantiu aumento da oferta e queda nas tarifas."

Leonardo Nascimento, sócio da Urca Capital Partners, tem outra opinião. "O cenário é ruim para o consumidor, ao concentrar um mercado que já é muito concentrado. O Brasil é oligopolista em aviação comercial", diz ele, referindo-se às participações de Gol (37,8%), Latam Brasil (31,4%) e Azul (30,3%). Ou seja, em uma virtual compra da operação local da Latam, a Azul passaria a ter mais de 60% do mercado brasileiro.

Segundo Nascimento, a possível aquisição da Latam pela Azul ainda é incerta e precisaria passar pelo crivo do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). "Mas as conversas existem e estão avançadas, por conta da situação periclitante que a Latam Brasil vive", afirma. A compra da MAP pela Gol, diz, já é um "contra-ataque" à possível fusão entre as rivais. Procurada, a Azul confirmou a intenção de avançar no mercado via aquisições. Em comunicado divulgado no final de maio, a empresa afirmou que "o movimento de consolidação é uma tendência do setor no pós-pandemia e a Azul está em uma posição forte para liderar um processo nesse sentido", disse. A empresa já contratou consultores para avaliar as oportunidades. Já a Gol não retornou até o fechamento desta reportagem.

Na opinião de Castellini, da Bain, a Latam Brasil é um ativo valioso que a Azul terá que disputar com players estrangeiros. "Grandes companhias, como Qatar Airways, American Airlines e United Airlines podem se interessar pela operação, que ocupa uma posição estratégica na América Latina", diz ele.

Outra possibilidade seria a união de um grupo de investidores com empreendedores do setor. "Foi assim que a Azul nasceu, aliás". Independentemente de qual configuração o mercado brasileiro de aviação civil tome nos próximos meses, é fundamental que as empresas promovam a reestruturação dos seus serviços, diz Castellini. "É preciso renegociar contratos como aluguel e leasing de aviões, por exemplo, porque avião é um ativo que vai estar sobrando durante um bom tempo no mercado", diz.

Na conta, também entram as dívidas com credores e os salários dos executivos. "Tudo para não piorar os serviços, não quebrar a proposta de valor, porque brasileiro pode não ter dinheiro, mas gosta de um bom atendimento", afirma. "Não é oferecendo meio copo d'água no voo que as companhias vão resolver seus problemas".

Na opinião de Henrique Estéter, analista da Guide Investimentos, Gol e Azul enfrentaram o período de pandemia melhor que a Latam Brasil. "Elas conseguiram se capitalizar no mercado e enxugaram muito os custos", diz. No cenário de consolidação, resta saber o quão agressiva a Azul será. "A empresa acaba de levantar US$ 600 milhões [R$ 3 bilhões] no mercado americano, em bonds com prazo de cinco anos, a uma taxa de 7,35%", afirma.

Em relatório do banco Itaú, assinado pelos analistas Thais Cascello, Gabriel Rezende, Luiz Capistrano e Mateus Raffaelli, uma outra potencial chance de fusão é levantada: Azul e Gol. Seja qual for o movimento de consolidação -da Azul com Latam Brasil ou com a Gol- dizem, "este tipo de transação faria sentido em termos de complementaridade da rede".

"Mas nos perguntamos sobre a estrutura potencial de um negócio (considerando o alto endividamento da Azul) e quais critérios o Cade faria levar em consideração ao analisá-lo", afirmam. "Estimamos que ambos os cenários de fusão podem gerar uma relevante gama de sinergias".

No pregão desta quinta-feira (10) na B3, a ação da Gol caiu 4,37%, cotada a R$ 26,25, enquanto a da Azul subiu 0,31%, para R$ 47,78.

Redação

Durante a pandemia muitos contratos tiveram que ser repensados em função de estarmos limitados em relação a locomoção. Com certeza dentre os mais impactados estão as passagens aéreas, que são na verdade um contrato.

Por variados fatores muitos desses foram questionados pelos consumidores, seja pelo medo de contaminação de voar, pelo fechamento de hotéis, cancelamento de passeios, museus, atrações turísticas ou simplesmente pelo fechamento das fronteiras de quase todos os países, o que ocorre até hoje.

Ainda vivemos um estado de pandemia grave no Brasil, com vacinação insuficiente e com a maioria dos países com restrição de quarentena para brasileiros. Assim, a dúvida que fica é, como viajar a negócios ou turismo? E, quais os direitos em caso da necessidade de cancelamento?

Para entender melhor essa questão, é importante entender que recentemente o presidente Jair Bolsonaro sancionou a nova lei que dispõe sobre uma série de medidas emergenciais a fim de atenuar os efeitos da pandemia na aviação. Norma é originada da MP 925/20, e foi publicada de maio.

Essa nova legislação alterou o prazo para as companhias aéreas reembolsarem os passageiros durante a pandemia e definiu algumas regras para cancelamentos e alterações das passagens como havia ocorrido no ano passado. Assim, esse prazo foi ampliado para voos marcados até 31 de outubro de 2021 pela Medida Provisória 1024. Veja as principais regras:

Como está na Lei, em substituição ao reembolso, poderá ser concedido ao consumidor a opção de receber crédito de valor maior ou igual ao da passagem aérea, a ser utilizado para a aquisição de produtos ou serviços oferecidos pelo transportador em até 18 meses, contados de seu recebimento.

Para os casos que houver cancelamento de voo, o transportador deve oferecer ao consumidor, sempre que possível, como alternativa ao reembolso, as opções de reacomodarão em outro voo, próprio ou de terceiros, e de remarcação da passagem aérea, sem ônus.

O consumidor que comprou passagens para voar e que não teve a coragem de enfrentar a pandemia, devido as aglomerações em aeroportos, tem todo o direito de romper o contrato de transporte aéreo de forma unilateral com a companhia área, podendo optar pelo reembolso, mas sujeito ao pagamento de eventuais penalidades contratuais. Ou obter crédito de valor correspondente ao da passagem aérea, sem incidência de quaisquer penalidades contratuais. Este crédito deverá ser concedido em sete dias da data do pedido.

Para consumidores que se sentirem lesados pela cobrança das penalidades contratuais, que acarretaram descontos no valor a ser reembolsado, o Código do Consumidor determina que, em caso de pandemia, o contrato pode ser rompido sem penalidades, mais é necessário procurar o poder judiciário, através dos juizados de pequenas causas, que é gratuito e não é necessário contratar um advogado.

Perante a lei, o momento pandêmico vivido não isenta as características obrigatórias da bilateralidade e da comutatividade dos contratos. Ao contrário, as obrigações das partes devem ser revistas e reajustadas na medida necessária em cada caso concreto, visando a segurança, manutenção e função social do negócio jurídico.

Por fim, é importante levar em conta que em momentos adversos é importante que se busque a harmonia e equilíbrio entre as partes envolvidas em um contrato, como é o caso das passagens aéreas, levando-se em consideração que a medida da prestação que deixou de ser cumprida frente a uma situação que ultrapassa a autonomia das partes.