Ilha de Páscoa vê o esporte crescer como atividade na pandemia

Alex Sabino (Folhapress)

"Ser o campeonato de futebol mais remoto do mundo é o nosso chamariz. Chama a atenção das pessoas e desperta curiosidade." O chileno Camilo Leiva é quem mais se aproxima do cargo de diretor de marketing da liga da Ilha de Páscoa, considerado o local mais isolado do planeta. Parte da Polinésia e território chileno, o terreno, que no passado foi vulcânico, está no Oceano Pacífico, a 3.700 quilômetros de Santiago.

O esporte não é o forte de uma ilha que se apoia no turismo, prejudicado pela pandemia de Covid-19, na agricultura e na pesca. Mas se o coronavírus levou um lado positivo à região, foi fomentar o futebol.

O local recebia 150 mil turistas por ano até o início de 2020. Sem eles, os moradores, isolados do resto do mundo, não registraram nenhum caso da doença no final do ano passado. Por outro lado, a ilha perdeu todo o seu movimento. "O passatempo das pessoas passou a ser cada vez mais o futebol nos finais de semana", completa Leiva, nascido na capital chilena, mas que trabalha na ilha, empregado por uma empresa turística.

Os residentes se reúnem aos sábados e domingos para os jogos no único estádio construído, o Koro Paina Kori, em Hanga Roa, capital da província. A capacidade, nas arquibancadas, está em cerca de 200 pessoas, mas a maioria pode ficar de pé à beira do campo. Segundo o censo realizado em 2017, a população da Ilha de Páscoa é de 7.750 pessoas.

A liga adulta, amadora, reúne 11 equipes, o que pode passar uma imagem de clima amistoso entre os participantes. Nem sempre. Em dezembro, uma briga generalizada entre jogadores do Hangaroa e da Universidad de Chile (sem relação com o famoso time de Santiago) fez com que o campeonato fosse interrompido e a organização divulgasse nota "condenando energicamente a violência".

"Por aqui, nada se compara à rivalidade entre Hangaroa e Moeroa. É o clássico, o jogo que enche o estádio e os arredores", afirma Jovino Tuki, responsável pela parte executiva do campeonato, pelas relações entre os times locais e entidades internacionais.

São as duas equipes mais tradicionais da Ilha de Páscoa, onde há registros de partidas de futebol na década de 1940. Também são elencos com descendentes da etnia Rapanui (nome pelo qual também é chamada a própria ilha).

Existem as agremiações compostas por jogadores ligados aos primeiros moradores da região, como Hagaroa e Moeroa. Há também as formadas por forasteiros, quase sempre chilenos que fixaram residência por ali para trabalhar. "Hangaroa e Moeroa, antigamente, eram os dois únicos times. Então, quando havia uma partida de futebol, era sempre entre eles, que representam duas regiões distintas da ilha. Quando aparecia outro adversário, representava alguma instituição pública, como os policiais do Chile ou a Escola Naval", lembra Tuki. Alguns dos Rapa Nuis (também é usada a grafia Rapanuis), que representam cerca de 60% da população, se consideram os donos originais da ilha. Isso pode causar tensões em campo com os que migraram do continente, especialmente do Chile. Neste caso, se trata de uma rivalidade que ultrapassa o esporte e está no dia a dia da população.

Pouco povoada, a Ilha de Páscoa atrai a atenção de viajantes e místicos há várias décadas. O fato de ser um local tão remoto atiça ainda mais a curiosidade. O atrativo turístico da região se deve aos Rapa Nuis originais, que construíram no passado os Moais. São esculturas de pedra, espalhadas pela ilha, a maioria pesando várias toneladas. As imagens representam seus ancestrais e são tidas como protetoras de seus respectivos clãs. Grupos que, em séculos passados, entraram em guerras uns contra os outros.

Por causa das riquezas e belezas da região, além do isolamento geográfico, a Unesco declarou, em 1995, a Ilha de Páscoa como patrimônio natural da humanidade. "É possível crescer o futebol e fazer mais pessoas se interessarem, mas há alguns limites para isso. Um deles é o geográfico, claro", completa Tuki, que também fez parte de um combinado local que na década passada disputou amistosos no Chile e foi chamado de "seleção de Rapa Nui".

"Um dos caminhos é mostrar que o futebol local existe. Por isso usamos as redes sociais", completa Leiva que também atua pelo Hetu'u Ave Ave FC, que tem o elenco composto por chilenos.

Além da liga adulta (para maiores de 18 anos), há torneios juvenis e de masters. Incipiente, o futebol feminino possui poucas equipes, que ainda tentam se organizar em uma competição formal.

O maior momento da história do futebol na Ilha de Páscoa aconteceu em 2009, quando o Colo Colo, o clube mais popular do Chile, foi ao Koro Paina Kori para enfrentar a seleção local. Com a realização de torneios durante todo o ano, a intenção dos dirigentes é de ser possível, no futuro, criar uma associação local e filiá-la à ANFP (Associação Nacional de Futebol Profissional) ou à ANFA (Associação Nacional de Futebol Amador), duas entidades com sede em Santiago.

"Para quem trabalha pelo futebol da ilha, é muito bom vermos famílias inteiras vendo os jogos. Alguns times têm até barras [bravas]", diz Leiva, usando o termo para designar os torcedores organizados mais radicais do futebol sul-americano.

Eles mesmo reconhecem não ser possível conseguir muito mais do que isso. Ser o torneio mais remoto do mundo, nessas horas, atrapalha. O transporte aéreo com Santiago acontece apenas em dois voos por semana. Cada trecho de viagem leva 5h30. É quase a duração do trecho aéreo entre São Paulo e Bogotá, capital colombiana.